Arq.to Posted February 27, 2014 Report Share Posted February 27, 2014 Calçada portuguesa, essa horrível beldade Revista Visão A Assembleia Municipal de Lisboa aprovou, esta terça-feira o Plano de Acessibilidade Pedonal, uma iniciativa que prevê a aplicação de 100 medidas, até 2017, para facilitar a mobilidade na capital do país. Uma das medidas prevê a retirada da calçada portuguesa. A propósito desta medida, republicamos um debate organizado pela VISÃO, em Dezembro de 2013 Quando chegam à Praça do Rossio, Viviane Aguiar, 37 anos, e Paulo Ferrero, 50, parecem trajados para desempenhar papéis opostos: ela vem de vestido com padrão a preto e branco, como a calçada que detesta; ele, de roupas pardacentas, como o cimento que abomina. A VISÃO pediu à autora do blogue A Casinha da Boneca e ao fundador do Fórum Cidadania Lx, que lançou a petição Pela Manutenção da Calçada Portuguesa, para debaterem as vantagens e desvantagens deste piso típico, a propósito do Plano de Acessibilidade Pedonal, da Câmara de Lisboa, que levanta a possibilidade de mudar o pavimento em várias zonas da cidade. À mesa de uma casa de chá da Rua do Ouro, falaram das responsabilidades da Câmara, de turistas e, claro, de saltos altos. O que tem contra a calçada portuguesa? Viviane Aguiar (VA): Não vou tratá-la por calçada portuguesa. Vou apelidá-la, carinhosamente, de pedrinhas do demo, que é a melhor descrição das ditas pedras que nos dão cabo da saúde e dos nervos. São um perigo para a segurança pública, e, nessa medida, não se podendo alcatifar a cidade ou acolchoá-la como nos parques infantis, arranja-se uma situação de compromisso. Paulo Ferrero (PF): Pedrinhas do demo... [risos] Compreendo que haja muita gente que não gosta da calçada portuguesa, neste momento, como ela está: mal colocada, mal cortada, sistematicamente ocupada por carros. Chegámos a um estado em que realmente... Eu já caí, uma série de pessoas já caiu - sobretudo senhoras, por causa dos saltos altos -, e as pessoas de idade têm dificuldade. Também é preciso ver que há vários níveis de intervenção: nas ruas íngremes é mais perigoso, quando as pedras estão muito polidas ou esburacadas. Aí, não tenho nada contra a mudança da calçada. Temos aqui um ponto de encontro? VA: Aparentemente. PF: Mas pedrinhas do demo não são... VA: Eu disse isso com todo o carinho. PF: A calçada portuguesa é um símbolo de todo o País, não só da cidade. VA: Mas até que ponto devemos mantê-la quando há tanta desvantagem? As calçadas são uma evolução das ruas de terra batida. Acho que devia haver uma terceira etapa de evolução natural para um piso mais consentâneo com o nosso dia a dia, que está, neste momento, a ser posto em causa. PF: Não, não acho que esteja... VA: Olhe que eu acho que sim. Experimente pôr uns saltos altos... PF: [Risos.] VA: Com todo o respeito! PF: Como no filme do Almodôvar? VA: Uma família em que a mãe está de salto alto e tem um carrinho de bebé, em que o pai, coitado, se magoou e anda de muletas... PF: Os saltos altos fazem mal às senhoras. Fazem mal à coluna. VA: Mas fazem tão bem a outras coisas das senhoras... E dos senhores. PF: E não é só o salto alto. É mais o salto de agulha. VA: Não entremos por aí... A cidade seria tão mais cinzenta se as senhoras usassem chanatos! Não vamos promover a chanatização de Lisboa. PF: Estamos a falar de vários níveis da calçada. A artística não está em causa. A câmara não vai mexer muito nos pontos turísticos, o que até é engraçado: o turista já pode cair, mas o lisboeta não. VA: A verdade é que há muitas queixas dos turistas. Dizem: "São tão bonitas, aquelas pedrinhas, mas fazem-nos cair." PF: Quando fizemos a petição, houve amigos que nos mandaram artigos de estrangeiros a dizer precisamente o contrário, que era um ex-líbris da cidade. VA: Não temos de pensar nos estrangeiros, mas nas pessoas que andam na cidade diariamente. A calçada é bonita, mas esqueço a beleza quando não é funcional. Mas não é parte da identidade da cidade? VA: Por isso mesmo, parece-me bem que se mantenha em determinadas zonas. O que não faz sentido é vermos habitualmente pessoas a irem pela estrada... PF: Porque está mal colocada! VA: ... Ou pelas ciclovias. As pessoas andam pelas ciclovias para evitarem os passeios. PF: Eu sei. Eu também ando. O passeio está esburacado, vai-se pela ciclovia. Depois, leva-se com uma bicicleta. VA: Então estamos a chegar a outro ponto comum. Concorda que esta calçada, da forma como está, é péssima. PF: Ah, mas então o demo é a Câmara que não trata da calçada convenientemente. Olhe, as obras na via pública: cada empresa que abre um buraco, quando volta a pôr a pedra, deixa aquilo tudo mal. Ora não põem o cimento em dose adequada com a areia, ora não cortam bem... Onde há uma obra, já se sabe que vai haver asneira. Depois, vem uma chuvada, um carro em cima do passeio, e pronto, um buraco. Mesmo que tudo fosse feito na perfeição, não é verdade que a calçada portuguesa é muito mais exigente do ponto de vista da manutenção? PF: Não sei. Isso dizem os adversários da calçada. O que eu acho é que a calçada contribui para a permeabilidade dos solos, ao contrário dos outros pisos que andam a pôr, e além do mais dignifica, ou devia dignificar, a profissão do calceteiro. VA: É uma profissão muito dura, não? E essas profissões tendem a desaparecer. PF: Mas até há métodos automáticos e maquinaria que permitem fazer a calçada. VA: Então é para manter a tradição e fazemos a calçada com máquinas? PF: Antes colocar uma pedra cortada por uma máquina do que aquele cimento que estão a pôr nas Avenidas Novas. Uma coisa horrorosa. Outro aspeto: a Câmara disse que não ia intervir nas zonas históricas. Mentira. Já interveio na Rua da Vitória, no miradouro de Santa Catarina, com pedra lioz, e na 5 de Outubro e no Areeiro, com uma mistura de betão e materiais horríveis. Não admite alteração nem nessas zonas? PF: Não. Para quê? São zonas quase planas. Precisam é de bom tratamento. Além disso, a calçada é responsável pela grande luminosidade da cidade. VA: Mas isso não se resolveria com outro tipo de pedra clarinha? PF: Isso não sei, mas o que estão a pôr não é outra pedra. É cimento. A Viviane considera que a calçada portuguesa se está a demitir da sua função primordial, que é servir de piso para caminhar? VA: Precisamente. Cadeiras de rodas, idosos, senhoras de salto alto, pessoas de muletas, invisuais... PF: Daqui a pouco, só temos passadeiras rolantes. VA: Basta um piso funcional. PF: Mas a calçada é funcional! VA: Da forma como está, não é. PF: Então estamos de acordo. E a calçada é mais cara do que outros pisos. PF: Quem disse? Só pelo facto de ser um processo moroso e manual... PF: Não sei, não sei. O que eu sei é que é um elemento característico de Lisboa, permeável e amigo do ambiente, exportável, responsável pela luminosidade da cidade... Faz sentido a Câmara substituir a calçada em zonas íngremes, passeios estreitos. Resumindo, trocava de caras os saltos altos pela calçada. PF: Não é isso que está em causa. A minha mulher também usa saltos, e nunca caiu. Cai-se quando se está distraído ou se tem pouca sorte e não se vê o buraco. [Risos.] Não é mais cansativo, mesmo para os homens, caminhar na calçada portuguesa? PF: É, é. Talvez seja, sim. Sente-se na sola. Mas, para si, não é uma diferença que o faça pôr a calçada em causa. Já no caso da Viviane... VA: Faz toda a diferença. Eu junto vários fatores: é o salto alto, é o carrinho de bebé, são as entorses crónicas nos joelhos. PF: Pois, está em má condição. É evidente. VA: Mesmo quando está bem mantida, também é uma espécie de rinque, muito lisinha. PF: Se estiver muito polida, é, mas pode-se enrugar. Há técnicas para evitar isso. Claro que não evitam tudo. Se vem chuva... VA: A chuva é uma maravilha, para isso. Se estivéssemos numa sociedade em que as pessoas processassem com frequência, como noutras, a Câmara já estava carregada de processos cíveis à conta de acidentes, com pedidos de indemnização. Eu própria já estaria rica. PF: E quem processasse a Câmara, teria razão. A Câmara é que tem a responsabilidade de manter a calçada em condições. Ler toda a notícia em: http://bit.ly/1cVRutp Arquitectura, Arquitetura, Construção, Engenharia e outros Espaço de Arquitetura Link to comment Share on other sites More sharing options...
AnaCardo Posted March 4, 2014 Report Share Posted March 4, 2014 Como já referi na página da petição online, é óbvio que o método tradicional de aplicar as pedrinhas directamente sobre o solo só pode resultar em desastre a curto prazo, com as chuvas e as naturais infiltrações de água. Nesse caso, alia-se a tradição à modernidade, e um exemplo poderá ser aplicar esta calçada da Calx, uma empresa de Leiria que criou um novo tipo de piso de calçada, que permite manter o estilo tradicional, evitando os problemas aqui mencionados. Seria importante enviar este link (www.calx.pt/home/produto) aos responsáveis da CML, para evitar a descaracterização em curso da nossa capital. Link to comment Share on other sites More sharing options...
Arq.to Posted March 4, 2014 Author Report Share Posted March 4, 2014 Concordo Ana, acharia interessante subscrever a petição, onde posso encontrar a mesma? Arquitectura, Arquitetura, Construção, Engenharia e outros Espaço de Arquitetura Link to comment Share on other sites More sharing options...
AnaCardo Posted March 5, 2014 Report Share Posted March 5, 2014 Trata-se de uma petição pública que circula pelas redes sociais, e recebia-a através de um contacto: http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=P2013N71398&fb_comment_id=fbc_625152044215881_5880638_681376391926779 Link to comment Share on other sites More sharing options...
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