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Lisboa | Novo Terreiro do Paço | Bruno Soares


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Não se deve banalizar o Terreiro do Paço

In Público (1/7/2009)

Por Ana Vaz Milheiro e Isabel Salema

«Uma praça limpa, minimamente organizada, que ganhe espaço para os peões. Não é preciso muito mais. O motivo principal para ir lá deve ser a própria praça, a relação com o rio.

Tudo o resto virá por arrastamento.

Luís Bruno Soares espera que as imagens que apresentou na semana passada para o desenho do Terreiro do Paço, em Lisboa, sejam as últimas. Depois das críticas ao seu estudo prévio, o projecto foi alterado em vários detalhes.

Conhecido pela sua intervenção na grande escala, o urbanista foi convidado em 2007 pela Sociedade Frente Tejo para fazer o projecto de espaço público geral entre o Cais do Sodré e Santa Apolónia. Ao mesmo tempo, Bruno Soares ficou também com o desenho urbano da Praça do Comércio, uma das zonas individualizadas na zona ribeirinha. Há algumas semanas, a Frente Tejo anunciou que o Campo das Cebolas e a Ribeira das Naus teriam um projecto específico, devendo em breve ser lançado o concurso público para o Campo das Cebolas.

Nesta entrevista, o arquitecto diz que as pessoas que trabalham à escala urbana percebem melhor a complexidade dos problemas de um projecto como este. Explica também que as condutas e outros acontecimentos no subsolo condicionam a altura da placa central. Mas os degraus que aí desenhou não são gato escondido com rabo de fora.

Bruno Soares é contra a banalização da praça e acha que não se deve fazer a revitalização do Terreiro do Paço com funções que podem estar noutro sítio. As esplanadas vão ficar fora da placa central, são só para o Verão e não vale a pena impor um limite à sua dimensão, porque não há cafés e restaurantes que consigam ocupar 5000 metros quadrados.

Objectivo principal do projecto: ganhar espaço para o peão.

Disse publicamente que o Terreiro do Paço tinha batido no fundo. Como é que o seu desenho vai ajudar a novos usos?

Acho que quando a praça estiver limpa, minimamente organizada em termos da relação peões/automóveis, se pode ganhar muito.

Na revitalização da Praça do Comércio, tenho discordado que se tenha que fazer à pressão, naquela ansiedade de criar actividades que tragam as pessoas de qualquer maneira. Seja o que for, acho que não se deve banalizar a praça.

Se a praça tiver condições de as pessoas a utilizarem livremente, isso, só por si, vai ser a grande atracção do sítio. As pessoas hão-de ir àquela praça, porque é um sítio extremamente interessante.

O que vão lá fazer? É um espaço contemplativo? Estávamos a falar dos usos.

Isto é banal, mas estou convencido que Lisboa pode ter na Praça do Comércio a peça histórica que qualquer turista se sente obrigado a ir ver, a passar lá e a estar. Os cafés são complementares disso, obviamente que é útil estarem, mas o motivo não é o café.

Hoje as pessoas já fazem isso, a Praça do Comércio já é um monumento obrigatório.

É, mas não tem condições.

Ganham espaço para os peões para fazer o quê?

Para as pessoas passarem lá.

As pessoas já passam lá.

Não, as pessoas não passam lá. É possível criar condições em que o motivo principal para ir seja a própria praça, a relação com o rio, tudo o resto vem por arrastamento Aquilo devia ser uma centralidade cultural, um conjunto de espaços e equipamentos que não sejam museus.

Que equipamentos?

Perceber a importância histórica daquele espaço, o que é a reconstrução pombalina. Perceber, no sítio, o que foi o terramoto, o que foi a Praça do Comércio até hoje. Isso tem que se contar no sítio. Há meios, há técnicas, de explicar isso às pessoas. Aquilo sempre foi uma praça de representação e de poder. Acho que as instituições actuais do nosso sistema não deviam desaparecer completamente dali. Não a devemos banalizar. Não deviam sair os ministérios todos.

Essa ideia de lugar de representação é compatível com as esplanadas e os chapéus que apareceram nos seus desenhos? Isso não é fazer do Terreiro do Paço uma sala de estar, aquilo que contesta?

Não. O exemplo de uma praça que pode ser uma sala de estar é Salamanca, que está cheia de esplanadas e as famílias encontram-se aí. Não é isso. Está mais próximo disso o Rossio do que a Praça do Comércio. A praça é tão grande, que o grande erro que se fez nos últimos anos foi levar para a placa central cafezinhos, quiosques e outras coisas para juntar as pessoas. As pessoas, pelo contrário, vão tendencialmente juntar-se nas bordas - e as bordas são as arcadas. Não vejo problema em que existam toldos.

Não é uma forma de banalização da imagem da praça?

Não, se não for dominante. O [café] Martinho da Arcada está lá.

Acho que banalizar é agarrar naquela praça e procurar fazer revitalização apenas com funções que podem ser feitas noutro sítio qualquer e que não fazem a diferenciação da praça. Agora se as funções culturais, institucionais, políticas, privadas, o que for, estiverem lá e forem dominantes, se continuar a existir uma carga de representação naquela praça, acho que aquilo convive, como já conviveu, com actividades comerciais...

Falou muitas vezes de as árvores impedirem uma leitura de continuidade. Os chapéus não podem ter o mesmo efeito? Existirão limites ao uso de esplanadas no Terreiro do Paço ou os passeios laterais serão para ocupar todos com esplanadas?

Não vai ser possível. Isso é um dos enganos. Cada passeio destes, com o alargamento, fica com 2500 metros quadrados. Não há esplanadas que ocupem 5000 metros quadrados. Nem vai haver cafés e restaurantes dentro dos edifícios com essa capacidade.

Tenho a impressão de que a surpresa vai ser o contrário, aquilo vai ser uma mixuriquice, desculpem o termo, porque não é possível ocupar aquele espaço todo.

Não vejo problema nenhum nas esplanadas. Até porque é uma coisa temporária [só estarão no Verão].

Porque é que assume o afundamento do torreão poente como pretexto para o desenho da placa central da praça, através da incorporação de desenhos?

A história do afundamento do torreão poente surgiu na altura em que começaram a construir a praça, portanto é um acontecimento histórico daquela praça. Até agora, esconde-se, esbate-se...

Há muitas formas de pormos a história a falar. Acha que é possível que a partir de um canto, com 60 centímetros de altura, se vá perceber que há um afundamento?

Não. É preciso haver um sítio que explique as várias coisas da praça. Os projectos têm que valorar coisas. Não é irrelevante que se construa uma praça daquelas, com uma determinada cota de implantação, e depois haver uma situação que não cumpre esse objectivo.

Mas é assim um assunto tão interessante para ser um tema do desenho de uma praça daquela dimensão?

É uma constatação.

Há algum problema, uma conduta, por exemplo, que tenha obrigado ao levantamento da praça para haver aqueles degraus no fim da plataforma central?

Há duas coisas no subsolo que nos condicionam. À frente da estátua de D. José há uma caixa muito grande de válvulas que vai ser construída, ou já foi, pela SimTejo. E que nós no ano passado andámos a discutir para eles rebaixarem e o máximo que rebaixaram foi 30 cm. A caixa condiciona-nos o ponto de partida para o rio e o perfil lateral. Mas isso, pronto, consegue-se fazer. No outro sentido, mais à frente, a conduta da EPAL passa por cima dos colectores da SimTejo. Isso obriga-nos a passar uma certa cota acima da conduta da EPAL e depois descer para o Cais das Colunas.

Mas eu não lhes quero mentir. Eu podia agarrar nesta cota, e estou condicionado aqui pela tal caixa, mas depois posso começar a afundar porque aquilo é tão grande...

A conduta condiciona a cota da praça, mas não me obriga.

É que assim os degraus têm outra explicação.

Mas não é a explicação que eu quero dar [risos].

A razão para os degraus é muito enigmática e rebuscada. Parece gato escondido com rabo de fora...

Se houver um parecer daqueles determinantes, "não senhor não há degraus", isto consegue resolver-se. As condutas são anteriores ao projecto que tinha que lidar com este dado.

Existiu um erro de projecto nas infra-estruturas?

A questão é que foi preciso compatibilizar uma série de coisas que não estavam compatibilizadas. A EPAL tinha um projecto, a SimTejo tinha outro... Para o bem ou para o mal, entrámos numa altura em que pudemos levantar algumas questões e eventualmente corrigi-las. Há uma série de instalações, cabos de comunicações militares, etc., que ninguém sabia onde estavam. Agora já se sabe.

Há vários acontecimentos na placa central da praça: marcações no pavimento, degraus, rampas... Os degraus servem também para introduzir o Cais das Colunas?

Esta escala mais pequena permite, sem prejuízo da unidade da praça, introduzir uma situação que revela às pessoas que se estão a aproximar de um espaço e de um elemento que acho que é o mais importante da praça - o Cais das Colunas. Foi muito importante sob vários aspectos e perdeu parte da sua importância porque perdeu a funcionalidade da relação com o rio e com o mar.

Numa praça desta dimensão, não era possível solucionar os acessos a deficientes de um outro modo, sem ser a colocação das rampas junto aos degraus?

Legalmente aquelas rampas nem são classificadas como tal porque têm menos de 3 por cento. Como princípio, temos que criar condições para que todos possam fazer o percurso.

A Câmara Municipal de Lisboa forneceu algum programa para o projecto?

A reflexão foi minha. É anterior. Havia um programa, mas não da câmara. A câmara é que decide o plano de circulação automóvel. Tudo o que é rede viária estamos a trabalhar directamente com eles.

Em relação ao programa de utilização da praça, estão a passar-se outras coisas: está a ser desenvolvido pela Sociedade Frente Tejo um estudo de urbanismo comercial para utilização da parte edificada; estamos a fazer uma proposta que vamos discutir com os serviços da câmara ligados aos eventos para criar o sistema de infra-estruturas técnicas.

Portanto estamos a procurar preparar a praça com algumas condições - caso dos pavimentos - para vários tipos de usos. Vamos articular com a câmara - temos articulado em termos de princípios gerais - e agora vamos acertar pormenores construtivos.

Não há um programa de utilização da praça?

Este projecto de intervenção tem por base um documento estratégico que foi elaborado pela Parque Expo e que dá as grandes orientações.

De onde vêm as larguras das esplanadas?

É proposta minha.

Não havia especificações além do trânsito, alguma reflexão que a câmara ou a Parque Expo tivessem feito sobre o Terreiro do Paço?

Produziu esse documento estratégico.

E o que diz?

O documento trata de uma zona mais alargada. Define princípios. Eles já tinham um plano de circulação que depois a câmara reformulou. Princípios de organização de espaço público...

O que é que isso quer dizer? É tão vago...

O documento é vago, é um documento estratégico.

Quando o convidaram para fazer o Terreiro do Paço, sentiu que o que lhe era pedido era suficientemente claro?

Fiz parte do Comissariado para a Baixa-Chiado nas propostas para a zona ribeirinha, aquele comissariado que foi presidido por Maria José Nogueira Pinto...

A reflexão mais aprofundada que foi feita para o conjunto e para ali foi a reflexão produzida pelo Comissariado da Baixa-Chiado. Uma coisa que é importante é não isolar a Praça do Comércio do resto. Fazer-se um projecto articulado com a Ribeira das Naus e a Baixa...

Quando entramos na escala do desenho isso ajuda?

Ajuda. A compreensão de como é que se relaciona com a envolvente. Vai ser fundamental para o funcionamento da Praça do Comércio a relação com a Baixa, até aos Restauradores, como um grande centro de actividades que tem de se revitalizar. Toda essa zona.

Mas não havia um programa especificamente para ali? Pediram-lhe que fizesse um desenho para um pavimento?

Também é isso, mas não só. O projecto pedido foi um projecto de espaço público para a zona geral Cais do Sodré-Santa Apolónia e, especificamente, integrando o Terreiro do Paço. Isto implica as componentes de circulação, dos vários usos que estão previstos, e aqui o estudo comercial pode ser uma componente importante (mas só por si acho que não) e objectivamente ganhar espaço para o peão.

Não acha pouco o objectivo "ganhar espaço para o peão", quando falamos numa praça deste significado?

Eu entendo. Onde se avançou mais foi no âmbito do Comissariado da Baixa-Chiado. Inverter a relação de usos na praça entre carros e peões foi um dos princípios avançados. Isso é importantíssimo.

Fala-se da complexidade da obra para justificar a ausência de concurso público. Esta é uma obra complexa?

O principal argumento foram os prazos. A complexidade que existe é no sentido de coordenar os vários trabalhos e especialidades.

Em que é que o concurso público tornava isso mais complexo?

Penso que podemos estar a usar a complexidade noutro sentido. Em termos de execução não é fácil, porque é um espaço que existe e que está a funcionar.

É muito diferente passar da grande escala do planeamento urbano para a pequena dimensão da praça?

Trabalho nesta zona há 11 anos. A seguir ao Plano Director de Lisboa convidaram-me para acompanhar e estudar o impacto do projecto do túnel [rodoviário] do Terreiro do Paço... Entre um PROT [Plano Regional de Ordenamento do Território] e uma Praça do Comércio, acho que é diferente... Entre um projecto, como o da Frente Ribeirinha contido aqui, e dar o passo para uma intervenção do espaço público, que é também o que temos feito, acho que há uma relação muito forte. Se quiserem, mais forte que entre um projecto de arquitectura e um projecto de espaço público.

Está a dizer que um urbanista tem o perfil correcto para desenhar um espaço como a Praça do Comércio. É isso?

Não sou eu. Qualquer urbanista. Depende das pessoas. As pessoas que trabalham à escala urbana percebem melhor a complexidade dos problemas - um urbanista tem mais condições para trabalhar o espaço público com os seus diversos graus de complexidade. O que não significa que não existam arquitectos que também consigam.


TEMAS

01.07.2009


Depois das críticas, Luís Bruno Soares alterou pormenores do projecto para o Terreiro do Paço. Entre os "ajustes" que fez, destacou a transição para o Cais das Colunas. Em geral, acha que conseguiu "melhorar" a proposta e "encontrar soluções mais ajustadas".

Na fase inicial, reconhece, exageraram algumas soluções, como o desenho dos losangos que agora foi atenuado através da escolha dos materiais: "Empolámos determinados aspectos, havia uma marcação demasiadamente forte de determinadas intenções. Mesmo com as cores, marcámos demasiado as diferenças. Na relação dos mesmos materiais, atenuámos os contrastes e as diferenças de cores."

Passeio central

Um dos aspectos mais contestados do projecto, o desenho de um passeio entre o Arco da Rua Augusta e o Cais das Colunas no pavimento, foi eliminado. "Mudámos a questão do percurso central, que marcava com um passeio o eixo, que aparecia claramente desenhado."

Escadas para o Cais das Colunas

O semicírculo que completava o pavimento do Cais das Colunas também desapareceu. "Na transição para o Cais das Colunas, acho que acertámos com as mudanças, aquilo fez o encaixe."

Os quatro degraus que marcavam o fim da placa central, na sua transição para o rio, foram também substituídos por dois conjuntos de dois degraus. "Mudámos o desenho e a forma de articulação da placa central com o cais. Isso foi quase como o desenvolvimento do projecto, porque tínhamos dúvidas, porque não estava resolvido em termos de escadas e de articulação. Sabíamos que aquilo ainda não estava agarrado e continuámos a trabalhar, inclusivamente na relação entre a rampa dos deficientes e as escadas. Havia remates que já sabíamos que iam criar problemas. As críticas ajudaram a perceber a sensibilidade também das pessoas e de algumas entidades."

Degraus do passeio lateral

Desapareceram os degraus do passeio lateral. "Aquela marcação que temos a poente, da diferença de cota para o torreão poente, estava marcada [lateralmente] na placa central mas também no passeio lateral, quando ele começa a afundar. Havia aqui também uma diferença de três degraus. Podia ser redundante."

Base da estátua

"A outra marcação que caiu foi a da base da estátua. Aí trabalhámos com o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar), que fez uma crítica pertinente. Podia parecer que estávamos a fazer um segundo pedestal.

Sempre achei, durante muito anos, que a praça é muito grande em relação à dimensão da estátua. Há uma coisa que para mim estava errada no Terreiro do Paço: o perfil do pavimento é côncavo, de tal maneira que comeu um degrau à base da estátua. As galerias, em relação à modelação da praça, estão nas cotas mais baixas. A Rua do Ouro está cerca de 60 centímetros acima da galeria.

Vamos fazer a inversão das pendentes na praça."

Os materiais

"O mármore verde da parte central desapareceu completamente. Temos lioz e terraway na placa central, cubos de granito na calçada, vidraço [calçada portuguesa] no passeio ribeirinho junto ao rio e depois [nos passeios esplanada] base lioz com riscas em pedra de tonalidade vermelha e preta. Estamos a falar de cinco a seis materiais diferentes."

Terraway, material permeável

"Estivemos a estudar dois tipos de pavimentos para a placa central - este terraway, que é uma gravilha em pedra de lioz - e andávamos a estudar o active soil, que é um saibro agregado que os franceses têm colocado no património.

Não é terra solta, mas dá uma sensação de terreno, e tem a vantagem de ser permeável porque é poroso. São pavimentos que precisam de uma estrutura que o contenha. A malha que fizemos ajuda a conter, porque este material é aplicado sobre uma base de brita. Quando há muita chuva corre superficialmente para as calhas. Se usarmos a gravilha da mesma pedra das faixas, a diferença será só da textura."

Diagonais mais finas

"Procurámos inicialmente uma métrica da praça a partir das arcadas. Não se consegue métricas regulares na relação das fachadas laterais com a fachada central. Mas nós partimos da métrica das arcadas e obtivemos uma malha reticulada. No trabalho do desenho dessa métrica, a certa altura, optei por marcar as diagonais em vez de estabilizar o desenho da placa central. O desenho das diagonais em termos construtivos vai ajudar-nos a conter os pavimentos.

Na fase anterior, como o pavimento era impermeável, a malha era um sistema de caleiras para escoamento da placa central. Agora, as faixas [dos losangos] diminuíram e passámos de faixas de 80 cm para faixas de 60 cm."

Os novos desenhos:

http://static.publico.clix.pt/docs/local/novasimagensterreiropaco/

Os desenhos anteriores:

http://static.publico.clix.pt/docs/local/terreiropaco/»

in http://cidadanialx.blogspot.com/2009/07/nao-se-deve-banalizar-o-terreiro-do.html


Manta de retalhos para a Praça do Comércio

In Público (7/7/2009)

João Mascarenhas Mateus

«O projecto de "requalificação" da Praça do Comércio que se encontra em discussão pública apresenta particularidades de método e de conteúdo sobre os quais importa reflectir.

A ideia de "requalificar", ou seja, de renovar uma praça que desde 1910 está classificada como monumento nacional constitui um erro de método. Um monumento nacional não se renova. Um monumento nacional protege-se, restaura-se, conserva--se na sua integridade física e simbólica.

Naturalmente que esta atitude prevista na lei deve acolher ocasiões como as criadas pelas recentes obras de infra-estruturas do subsolo, que implicaram o levantamento de grande parte da placa central, para estudar e intervir de forma modelar. Uma oportunidade pois para conhecer a imagem consolidada da praça que importa conservar e ao mesmo tempo definir as condições técnicas especiais a exigir à intervenção de reconstituição da unidade da sua imagem.

Como organismo de tutela, o Igespar deveria ter sido a primeira instituição a elaborar este estudo e a dar a conhecê-lo publicamente antes de qualquer proposta de intervenção. Um documento de base que limitaria à partida arbitrariedades de método e de estética. Ter-se-ia seguido a consulta e o concurso para o projecto de conservação.

Infelizmente, a posição do Igespar, longe de ser proactiva, tem sido reactiva. Limita-se a reagir a uma única proposta de um único arquitecto e à indignação de muitos cidadãos. Uma indignação que possivelmente é extensível a muitos técnicos do Igespar que regularmente não são solicitados ou não vêem nenhuma consequência prática dos seus estudos.

No conteúdo da proposta em discussão está prevista na placa central uma rede de losangos de pedra calcária que compartimentam alvéolos de brita de lioz e resina. Uma imitação asseptizada e higienicista da antiga terra batida que ali esteve durante séculos.

Se a premissa de restabelecimento do verdadeiro terreiro tivesse sido imposta previamente, não estaríamos hoje a discutir losangos, ou porque não círculos, ou ainda condicionamentos de fluxos, numa lógica ultrapassada de ordem e limites. A Praça do Comércio sempre foi atravessada em todas as direcções. Um espaço onde as pessoas se deveriam sentir livres de qualquer "encarneiramento" imposto de forma mais ou menos subliminar. Com esta solução impermeabiliza-se um dos corações de Lisboa e retira-se aos lisboetas mais uma oportunidade de contacto directo com a sua terra, num espaço que deveria ser de reencontro com a sua verdadeira essência de cidade. O que diriam os franceses se lhes impermeabilizassem a terra batida da Praça Bellecour em Lyon ou o Jardim das Tuilleries, em Paris?

No perímetro, prevê-se ainda reconverter com um desenho "mikado" de pedra vermelha e negra o aumento do lajedo na zona das arcadas para receber mesas e bancos corridos de esplanadas. Uma solução que recorda esteticamente o que se fez nos "paseos maritimos" de Espanha ou em qualquer parque de exposições industriais, cujas lógicas têm fins bem distintos.

Pergunto-me o que é que esta solução tem a ver com a pedra calcária que caracteriza a praça que, se usada simplesmente como prolongamento dos antigos lajedos, não introduzira obstáculos novos à leitura da sua unidade. Artifícios como os propostos seriam quem sabe úteis para uma delimitação de futuras concessões de esplanadas (sobre as quais nada é revelado no projecto). E como tal têm sido abolidos em muitas praças um pouco por toda a Europa. Veja-se a do Montecitorio em Roma, a da Unità d'Italia em Trieste, a Praça do Palais Royal em Bruxelas, a de Reims, a de São Marcos em Veneza. Com corredores para automóveis em granito, que nunca fez parte da lista de materiais usados na Praça do Comércio, consegue-se plasmar para sempre o trauma da invasão dos automóveis iniciado em 1949 com a abertura da Avenida da Ribeira das Naus.

Agora que se prevê um condicionamento de tráfego, poderia ser a ocasião ideal para eliminar a memória recente do asfalto, com calcário da região para reconstituição das vias calcetadas perimetrais de que se tem constância iconográfica.

À lista do muito que não é abertamente explicado à população junta-se o projecto de iluminação ou o mobiliário urbano que se pretende implantar. Componentes fundamentais para julgar da sua viabilidade e do seu resultado final. A Praça do Comércio é muito mais do que uma praça do Parque Expo ou das docas de Lisboa e, como tal, a reconversão do seu valor patrimonial e cultural ao serviço de lógicas baseadas só na animação comercial e social não deveria ser permitida por se tratar de um monumento nacional.

Lisboa arrisca a desmonumentalização da Praça do Comércio, utilizando-a como simples arranjo cenográfico ao serviço de uma lógica consumista de bares, esplanadas e asseptização de espaços onde muito da identidade de cidade está em risco de ser perdida. Da sua relação tradicional com o rio, com a terra, com os materiais da região, com a luz, com a sua história.

Desejava-se com a classificação de monumento nacional alargado à zona da Baixa Pombalina a candidatar a Património Mundial, conseguir garantir a aplicação integrada de uma metodologia história e crítica. Não se sonhava que sobre um monumento nacional a passividade da tutela fosse tão evidente na hora de a cobrir com uma manta e com retalhos vários de métodos e de conteúdos.

Coordenador técnico da candidatura da Baixa Pombalina a Património Mundial entre 2002 e 2006.»

in http://cidadanialx.blogspot.com/2009/07/manta-de-retalhos-para-praca-do.html


Comunicado sobre o Terreiro do Paço:

No seguimento dos recentes desenvolvimentos relativos ao projecto que a Sociedade Frente Tejo está a desenvolver para o Terreiro do Paço, designadamente às alterações feitas nos últimos dias e tornadas públicas em sessão de apresentação de Sábado, dia 27 de Junho, pelas 15h30, somos a comunicar o seguinte:

1. Continuamos a considerar profundamente errado todo o processo de concessão pelo Governo à Sociedade Frente Tejo de um projecto de qualificação do Terreiro do Paço, tendo em conta:

• A não existência de qualquer debate público prévio sobre quais as alterações e quais as funcionalidades desejáveis para o Terreiro do Paço (edifícios e espaço público), mais a mais estando em causa um Monumento Nacional, a mais bonita e importante praça do país, símbolo do Poder, e “a” porta de entrada de Lisboa;

• Que a modalidade urbanística mais adequada a uma intervenção deste tipo é a figura de Plano de Pormenor, que, paradoxalmente, já existe e está a ser finalizada pela Câmara Municipal de Lisboa -o Plano de Pormenor da Baixa Pombalina -mas que, inexplicavelmente, exclui o Terreiro do Paço, a sua peça mais valiosa, para que se “queimem etapas” (sobretudo a de concurso público) a fim de que a 5 de Outubro de 2010 se possa comemorar o Centenário da República, sem olhar a meios e a prazos legais.

2. Congratulamo-nos por finalmente, e a muito custo, a Sociedade Frente Tejo ter recuado e corrigido uma série de aberrações no designado “estudo prévio” (desapareceram o desenho tutti frutti da malha em losango desenhada para a placa central, o losango verde sob a estátua, a meia-laranja defronte ao Cais das Colunas, o corredor “curro” entre o Arco e a estátua, e, aparentemente, o areão como material principal da nova praça; foram atenuados os losangos, quanto à cor e ao debruado, os degraus diminuíram para metade, em número e em altura, diminuindo assim drasticamente o fosso entre a placa e a frente rio), fruto, não de um verdadeiro debate público ou de inspiração de última hora mas por força de uma série de críticas em público e privado, vindas dos mais variados sectores, que haveriam de transformar um “estudo prévio”, que se nos afigurava como facto consumado, em projecto. Recapitulando:

[Requerimento dos “Cidadãos por Lisboa” para que o PCML convocasse a Soc. Frente Tejo a fazer o ponto de situação, o que sucedeu em reunião privada onde o Sr. Arq. Bruno Soares apresentou um “powerpoint” relativo a um “estudo prévio”, mas que não cedeu nem aos vereadores nem aos jornalistas, o mesmo acontecendo em relação aos cortes das plantas do projecto – imediatamente a seguir, foi publicado um artigo no Público com imagens do “estudo prévio” e um outro com comentários do Fórum Cidadania Lx– seguiu-se uma série de violentos pareceres contra (O.A., Comissão de Sábios da própria Frente Tejo, personalidades várias (historiadores, arquitectos, opinion makers, etc.), serviços da própria CML, IGESPAR, Assembleia Municipal de Lisboa, artigo do ex-Presidente da Soc. Frente Tejo, etc.) – seguiu-se uma reunião pública da CML em que, depois de polémico debate, o “estudo prévio” apenas foi aprovado com o voto de desempate do PCML, e porque um vereador potencialmente “não” saiu da votação – seguiu-se um período de ref
lexão e, agora, a sessão de apresentação de Sábado passado.]

3. Apesar disso, e colocando Lisboa acima de toda e qualquer guerrilha político-partidária, achamos que este projecto ainda tem alguns pontos que devem ser corrigidos e, mais importante, há que esclarecer outros tantos que continuam dúbios, pelo que formulamos à Sociedade Frente Tejo, e ao Sr. Arquitecto Bruno Soares em particular, as seguintes questões que gostaríamos de ver atendidas:

- Por que razão se insiste no desenho a “tinta da china” nos passeios laterais, a imitar cartas de marear que nada têm que ver com o Terreiro do Paço e que, vistas do ar, lhe darão um ar bizarro, e não se opta antes pelo desenho que já existe nos passeios agora estreitos?

- Por que razão se insiste em vincar com desenho e piso diferenciado o abatimento do torreão poente quando esse abatimento é natural, passa despercebido e não é facto de que nos orgulhemos?

- Por que razão se continua a insistir na solução dos degraus, introduzindo uma barreira arquitectónica, não só em termos de mobilidade como estética e visualmente, quando se poderia utilizar, tomando como certas as declarações recentes do Sr. Arquitecto Bruno Soares ao Público de 1.7.2009, de que “a conduta condiciona a cota da praça mas não me obriga”, e, noutra ocasião, que as cotas dadas à Simtejo não foram as relativas ao “estudo prévio”), partindo das cotas do Arco da Rua Augusta, uma pendente suave e chegar aos degraus do Cais das Colunas sem qualquer desnível?

- Por que razão o Campo das Cebolas vai ser objecto de concurso público e as outras áreas de intervenção da Sociedade Frente Tejo não?

- Por que razão fazer projectos individuais e específicos numa zona de intervenção tão ampla quanto a presente (Cais do Sodré, Ribeira das Naus, Corpo Santo, Terreiro do Paço, Campo das Cebolas, Rua do Arsenal, Rua da Alfândega e Santa Apolónia), quando o que faz sentido é que a intervenção seja tão una quanto possível e, portanto, tão mais valiosa e perene quanto maior for a harmonia encontrada a nível de desenho, materiais, pavimentos, iluminação pública e mobiliário urbano?

- Que tipo de iluminação pública está prevista para a Praça? Quem fez o estudo e como foi escolhido o especialista nesta área?

- Tendo sido rejeitada uma solução que incluísse a plantação de árvores de que forma se pensa aumentar o conforto da Praça, designadamente no Verão?

Desejamos que as intenções da Sociedade Frente Tejo sejam que, através de uma solução de bom gosto, assente em materiais de primeira e numa intervenção simples e respeitadora da herança que é de todos, os lisboetas e o país possam ter um Terreiro do Paço digno, recuperado e motivo de orgulho nacional.

Paulo Ferrero, Alexandra Carvalho, Jorge Santos Silva, Júlio Amorim, Luís Serpa, Luís Marques da Silva, Virgílio Marques e Pedro Janarra

in http://cidadanialx.blogspot.com/2009/07/comunicado-sobre-o-terreiro-do-paco.html


DEBATE PÚBLICO NA OA SOBRE O PROJECTO PARA A PRAÇA DO COMÉRCIO

in "Boletim Arquitectos", ano XVII, nº 198

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«No dia 26 de Maio, no auditório da sede da OA em Lisboa,foi apresentada e discutida a proposta para a Praça do Comércio que tem vindo a ser desenvolvida pela equipa coordenada pelo arquitecto Luís Jorge Bruno Soares para a Sociedade Frente Tejo.

Este debate inscreveu-se nas iniciativas que a OA-SRS tem vindo a realizar em torno de planos e projectos que se têm salientado pela polémica que suscitam ou pela sua importância pública, trazendo à casa dos arquitectos os seus autores, e permitindo, a quem assista, ouvi-los, interrogá-los e até criticá-los, recentrando a discussão disciplinarmente, mas em sessões sempre abertas ao público em geral. Neste caso tratou-se do primeiro debate público em torno deste projecto que parece revelar-se bem polémico.

Em primeiro lugar, e depois de uma breve apresentação pela Presidente da Secção Regional Sul, falou o arquitecto João Biencard Cruz que se referiu à inscrição das tarefas de Bruno Soares no vasto conjunto de iniciativas da Sociedade Frente Tejo criada pelo Governo a propósito das comemorações do centenário da implantação da República. Seguiu-se Bruno Soares que começou por esclarecer que o projecto para a Praça do Comércio era parte de um muito mais alargado plano de remodelação de espaços urbanos desde a Estação de Santa Apolónia até ao Cais de Sodré. No entanto,este projecto avançou prioritário devido à complexidade inerente e às obras de saneamento e de consolidação do torreão Poente que estão a decorrer.

Passando à explicação da solução a que a equipa tinha chegado, Bruno Soares traçou uma breve resenha histórica, salientando a dicotomia entre terreiro e praça,escala extraordinária em termos europeus e abertura à paisagem do estuário do Tejo. Informou que a opção foi pelo terreiro, mas reconhecendo uma possibilidade de uso mais fixo junto às arcadas. Deste modo, a proposta centra-se na definição do terreiro, com o monumento a D. José I a meio, e no alargamento dos passeios junto às arcadas, criando espaços de circulação automóvel a toda a volta, mas considerando apenas a passagem permanente na via junto ao rio e o uso quase exclusivo da via junto ao arco da Rua Augusta para transportes colectivos.

Para regularizar o escoamento das águas pluviais, o terreiro seria como que uma ligeira pirâmide invertida, o que gerou a criação de alguns degraus entre o terreiro e a via junto ao rio. Reconhecendo a importância do eixo Rua Augusta/Cais das Colunas, a equipa propõe um tratamento do pavimento marcado por uma banda e um arqueamento dos degraus que conduzam os passos do transeunte directamente do arco às colunas que emergem das águas. Procurando um motivo decorativo para os pavimentos, a equipa encontrou inspiração nos traçados dos mapas antigos que combinou com os ritmos das arcadas, produzindo um padrão de losangos que lembra alguns usados na indústria têxtil. O monumento a D. José I seria também enquadrado por um losango envolvido por alguns degraus de modo a manter as cotas actuais da sua base. Outros pormenores, como a chamada de atenção para o afundamento do torreão Poente através de uma brusca alteração de cotas vencida por alguns degraus, ainda vieram a lume.

Depois da apresentação de Bruno Soares abriu-se o debate. Este iniciou-se, não pelo comentário ao projecto, mas sim por diversas críticas ao facto da Sociedade Frente Tejo não ter realizado um concurso para escolher uma solução, lembrando o anterior (e único) concurso promovido pela Câmara Municipal de Lisboa em 1992 (Jornal Arquitectos 116), cujo resultado foi a não atribuição do primeiro prémio, apenas assegurando-se um segundo à proposta dos arquitectos José Adrião e Pedro Pacheco que ainda teve algum resultado construído provisório no meio do caos que a Praça tem vivido desde que se iniciaram as obras do Metropolitano em 1998.

Respondendo a estas críticas, Biencard Cruz informou que a entrega do projecto a Bruno Soares tinha sido decidida pelo anterior presidente da Sociedade Frente Tejo, Dr. José Miguel Júdice, e que a sociedade pretende lançar futuramente alguns concursos. Bruno Soares também revelou que a municipalidade não o pôs a par da existência do concurso de 1992. A propósito destas críticas, a Presidente da Secção Regional Sul entendeu ser importante abrir o debate na OA sobre a encomenda pública, incluindo os concursos.

Mas, finalmente, a assembleia, que enchia por completo o auditório, debruçou-se sobre o projecto de Bruno Soares,tendo-se discutido quer os elementos decorativos, a que Bruno Soares respondeu com a possibilidade da sua revisão, quer as bruscas diferenças de cotas introduzidas, obrigando a degraus e criando episódios de interrupção nunca antes existentes, contrariando o sentido de terreiro aliás salientado pelo próprio arquitecto.

Nenhum dos presentes na assembleia ensaiou qualquer elogio global ao projecto, havendo consenso sobre uma drástica redução do tráfego automóvel e o alargamento dos passeios junto às arcadas, sobre o qual Bruno Soares considerou possibilitar a ocupação por esplanadas. Terminou-se o debate com a sensação da necessidade de repensar o projecto e de que um concurso público com a escolha e discussão alargada que lhe são inerentes (vejam-se os últimos episódios do Parque Meyer) teria sido um caminho muito mais frutuoso para encontrar um projecto para a mais simbólica praça do País.

Michel Toussaint»

Apesar do mérito da notícia, a OA não substitui o estado, nisto da discussão pública.

Há que saber distinguir e esclarecer devidamente as pessoas, sobre qual a diferença entre promover debates públicos e aquilo que a legislação consagra como sendo a "Discussão Pública".

Focado este aspecto, é com alguma pena que se assiste a uma certa apatia interventiva da OA no resultado das obras que envolvem estes elementos estruturantes da vida da sociedade civil, como é o caso das Praças.

Fica no entanto esta notícia...

Luis Marques da Silva

in http://cidadanialx.blogspot.com/2009/06/debate-publico-na-o-asobre-o-projecto.html
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  • 11 months later...
  • 1 month later...

Na perspectiva do utilizador o que pretendia ser a melhoria duma praça Histórica de Lisboa parece-me um fiasco. Tentem andar por ela sem qualquer abrigo visual. Onde se sentem desamparados. Especialmente no verão com um sol de vrão a reflectir nas pedras brancas do pavimento. Flp

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  • 2 years later...

Metropolitano mantém monumento fluvial ao abandono há um ano
Por Ana Henriques in Público. 9 de agosto de 2012


Transportadora não tem dinheiro para reabilitar estação fluvial de Sul e Sueste, projectada por Cottinelli Telmo, que continua fechada. Empreitada foi financiada por fundos europeus, mas está longe de ficar pronta

A escassos metros da rede branca tipo galinheiro, os turistas apreciam a espectacular Praça do Comércio. Há quem esteja só de biquíni no Cais das Colunas, a contemplar o rio. Debaixo da rede branca, acumulam-se os detritos de toda a espécie, e por entre os tapumes agarrados à antiga estação fluvial de Sul e Sueste há mantas sujas, sacos e outros pertences de sem-abrigo. Parou nas 6h10 o relógio do terminal dos barcos desenhado por Cottinelli Telmo: partiram-lhe o mostrador redondo.
Enganam quem passa os andaimes no interior do histórico edifício: o monumento de interesse público nunca chegou a entrar em obras - a não ser que se considerem obras o arranque dos enormes painéis de azulejo com os brasões de várias cidades alentejanas e algarvias que decoravam o átrio. De há perto de um ano a esta parte que quem parte e chega do Barreiro usa o novo e reluzente terminal fluvial, ali pegado.
Paredes-meias com o Terreiro do Paço, a histórica estação dos barcos, considerada um exemplar pioneiro da arquitectura modernista em Portugal, permanece ao abandono, apesar de ter sido aprovada uma candidatura a fundos europeus para a sua reabilitação. Mas o desperdício não fica por aqui: dos cinco pontões de atracagem existentes, que custaram ao erário público um milhão cada um, três nunca funcionaram por este terminal fluvial se encontrar fechado (ver caixa).
Apesar de se tratar de uma infra-estrutura destinada a servir as carreiras regulares de transporte fluvial geridas pela Transtejo e pela Soflusa, a reabilitação do monumento de Cottinelli Telmo ficou a cargo do Metropolitano de Lisboa, tal como a construção da nova estação dos barcos mesmo ao lado. Aqui começou, como diz uma auditoria do Tribunal de Contas à Transtejo em 2010, o desacerto: "Para além de as obras não terem sido autorizadas por qualquer dos órgãos sociais da Transtejo, estes desconheciam formalmente o seu custo, não tendo, consequentemente, sido constituída uma provisão nas contas para fazer face a esse encargo". No valor de 26,6 milhões comparticipados pelo Fundo de Coesão, a empreitada, ganha por um consórcio liderado pela Alves Ribeiro, seria desenvolvida em duas fases: primeiro a construção do novo terminal fluvial e a seguir o restauro e o reforço estrutural do antigo. Mas depois de abrir a nova estação dos barcos, em Setembro passado, a antiga fechou sem que a anunciada reabilitação tivesse começado.
O Metropolitano, apesar dos contactos do PÚBLICO, não deu qualquer esclarecimento. Mas o mais recente relatório e contas da empresa dá algumas pistas: "O início desta fase da empreitada encontra-se prejudicado pela necessidade de contenção do volume de investimento e pela prioridade dada à conclusão dos trabalhos da linha vermelha", até ao aeroporto. O documento aponta também um desencontro de contas entre as duas transportadoras: a Transtejo estava obrigada a pagar um milhão de euros anuais ao metro, por conta da construção de outro terminal fluvial, no Cais do Sodré, mas em 2011 não lhe deu um tostão.

Esperanças na câmara

O consórcio mantém os restos do estaleiro no local, à espera que o metro decida retomar ou desista dos trabalhos. Nesta última hipótese, é provável ter de indemnizar os empreiteiros que ganharam o concurso. "A situação não se pode arrastar muito mais tempo", diz Luís Vaz, da Alves Ribeiro. "Só nos foram pagos dez a 12 milhões de euros, está em falta outro tanto".
Neta de Cottinelli Telmo, a arquitecta Ana Costa lamenta o abandono. "A estrutura do edifício sofreu muitos danos com a construção do novo terminal e temo que não aguente muito tempo no estado em que se encontra", observa a autora do projecto de reabilitação. Luís Vaz assegura que não é assim: "As deformações e assentamentos foram monitorizados e o edifício encontra-se no mesmo estado que antes - muito debilitado, mas com um reforço estrutural provisório". Daí os andaimes. Retirados para a obra começar, os azulejos foram guardados em caixas. "Temo que desapareçam", diz Ana Costa. Preocupada, a arquitecta vira agora as suas esperanças para a Câmara de Lisboa. "Estão a tentar arranjar interessados em explorar o espaço a nível turístico", revela.
Uma vendedora ambulante de gelados espera pelos passageiros do próximo barco. "Um dia, as obras no Terreiro do Paço hão-de acabar", vaticina, como quem recita uma má sina. "E esta também".

Três milhões inúteis
Pontões sem uso
Três dos cinco pontões de atracagem de barcos existentes no Terreiro do Paço estão sem uso - por estarem ligados à estação fluvial desactivada. Custaram um milhão de euros cada um. "O impasse nestas obras compromete a utilização de três pontões", confirma a Transtejo, acrescentando que o problema compromete a reposição da ligação Cacilhas-Terreiro do Paço e o retorno da ligação Montijo-Lisboa ao Terreiro do Paço. Sobre o resto a empresa não se pronuncia.


http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=618102&page=3



Fotografias de Barragon
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