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Arquitectura.pt


O dia de um "arquitecto" com o seu irmão deficiente.


nunomiguelneto

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Olá... Este é um pequeno desabafo meu. Não tomem isto como nada pessoal. Mas espero que possam muitos aprender algo com este meu texto, e com estas análises camufladas com uma cadeira de rodas à frente!:D Manhã: Começa o dia, na minha casa, sempre 45 minutos antes do que o habitual. Entre ajudas de uma família preocupada, consegue-se num tempo mínimo por toda a gente em pé, todos tomarem banho, ajudar o meu irmão a vestir, e a preparar-se, fazer o pequeno-almoço e sair de casa a correr. O pai para a empresa, a mãe para o infantário, e eu irmão mais velho levo o meu irmão para a fisioterapia aquática, apenas com o objectivo de ele não piorar. São agora 8h45 da manha e já estou a pé desde as 7h00, saio de casa entre empurrões e desejos "apressados" de boa viagem com o meu irmão, e logo os primeiros 5 cm do degrau de soleira da porta, que sempre lá estiveram fazem o meu irmão perder 20 segundos numa acção supostamente instantânea... Não fossem os malvados 5 centímetros! (Penso) Entramos no carro e em 15 minutos consigo chegar às piscinas municipais, estacionamos no local "apropriado". De apropriado só tem o símbolo de deficientes, pois tenho duas hipóteses, ou estaciono mesmo quase a raspar no lancil ou então estaciono a 1 metro dele. Caso escolha a primeira opção tenho que encostar a cadeira no limiar do lancil e o meu irmão fazer uma força descomunal na porta do caro para pular para cima da cadeira sobre-elevada ao carro. Se escolher a segunda opção, vou ter que ajudar o meu irmão, pois depois de lhe pôr a cadeira perto da porta ainda temos que galgar um lancil de 20 e poucos centímetros com a cadeira depois do meu irmão estar em cima dela. E com isto passaram-se mais 2 ou 3 minutos. A seguir pergunto-lhe :"consegues descer a rampa sozinho?" e afirma que sim e vai descer a rampa, regulamentar (1,20m e os 6%de incl.) suponho... mas feita em calçada portuguesa, com as juntas em pó de pedra, ou seja, o embalo da cadeira e os travões que bloqueiam a roda ajudam a um derrape que faz o meu irmão bater com os joelhos na guarda de aço inoxidável. Lá se recompõe e depois do percurso para a entrada lá conseguimos chegar 5 minutos depois de termos saído do carro... 5 minutos preciosos na sua preparação para ir à agua e que se multiplicam para 10, quando ele sai do edifício... pois aí ele diz-me ser capaz de subir a rampa. E pede-me para não o ajudar. É um esforço enorme, percurso aos zig-zags; derrapes simultâneos; batidas no inoxidável; saltar de novo o lancil e aí estamos no carro. São agora 10h20 e eu entro no atelier às 10h30. Ainda tenho que o deixar na Associação que frequenta de manhã. Volto a acelerar e fico no atelier. Almoço: Saio do atelier por volta das 13h00 e vou a correr buscar o meu irmão à associação. Desenrola-se todo um processo de ida à IS (que dispenso descrever) apenas refiro que na sanita a dificuldade do meu irmão é tremenda em se levantar e movimentar, pois os apoios estão atrás dos seus braços e não ao lado como seria de esperar. Meto o rapaz dentro do carro, e vamos almoçar ao shoping, devido ao civismo fascinante que temos em Portugal e à boa educação que nos deram, tenho que deixar o carro a uns bons 500 metros do elevador, pois os lugares para deficientes tão ocupados por carros que coitados... não encontraram lugar livre na zona de "grávidas, idosos e pessoas com crianças ao colo" (como todos nós sabemos e já percebemos... uma pessoa de mobilidade reduzida tem tudo a ver com uma grávida... sem dúvida) Almoçamos e tenho que levar dois tabuleiros no self-service... pois o meu irmão não tem altura para chegar ao balcão de 1,20m que suporta a comida e tenho que lhe dizer o que há para ele escolher a comida. Lá se acaba o almoço, o meu irmão fica no shoping e eu volto para o carro, e ainda tenho que ouvir o "sr. empregado da segurança do parque" dizer: "O senhor não pode ter isto no carro sem ninguem deficiente lá dentro!" não ligo nem respondo e abandono o edificio. Tarde: Vou buscar o meu irmão ao shoping e como sempre a "guerra" volta! Ou não tenho lugar, ou não posso parar em frente às saidas para colocar o meu irmão no carro. "O Senhor não pode estacionar aqui, não tem ninguém deficiente!"; "Tambem eu sou deficiente (dito por uma pessoa normal)"; "Eu cheguei primeiro"; "Eu tenho um bébé". Frases que quanto a mim podiam ser evitadas se o arquitecto que desenhou o shoping tivesse separado os lugares de grávidas e etc... dos lugares dos deficientes. Se tivesse por exemplo feito uma entrada só para deficiente. Mas não... sociedade consumista... só fazemos acessos para a obra ser aprovada, e os regulamentos são levados à risca, pelos minimos exijidos. RESUMO: Rampas de 6% são dificeis de subir e de descer por vezes!; 1,20 Não chega para uma rampa...; 80cm Não chegam para uma porta nem em sonhos; Passeios com mais de 5 cm são impossiveis de galgar sem ajuda!; grelhas de escoamento, fazem as rodas encalhar e provocam quedas graves!; Estacionamentos mais largos não são suficientes... (as cadeiras de rodas não voam para cima do passeio); rampas com "descanços" de 6 em 6 metros não resolvem nada se a inclinação for grande; as guardas em metal, doem a sério! Abraços:s

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gostei do teu "desabafo", porque mostra como ha detalhes que sao tao faceis de projectar mas ninguem quer saber e ninguem faz.
Em Portugal e nao so em Portugal, deveriam haver regulamentos mais decisivos e mais humanos para deficientes. É uma questao de cidadania acima de tudo.

A mim, pessoalmente, irritam-me aquelas escadas de 3/4 degraus à entrada dos governos civis, repartiçoes de finanças, etc.
Toda a gente que nao esteja numa cadeira de rodas, incluíndo idosos com problemas de idade, conseguem facilmente movimentar-se numa rampa.
Por isso, nao ha razao para nao as fazerem ao invés daqueles estupidos degraus.

Pronto tambem ja desabafei x)
abraço

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o centro de mobilidade português, ó dos maiores lobbies politicos que existe...são os primeiros a fazer ***** quando constroiem.... se os encarregados de fazer a mobilidade funcionar sao os primeiros a construir mal e porcamente...nao podemos esperar muito mais... é uma realidade desagradavel, mas hoje nuno estás a estudar para no futuro um "miudo" como tu nao tenha que passar o que tu passas, nas tuas obras do futuro, e isso deve te dar uma revolta que se vai tornar saudavel ao repercutir se na tua arquitectura no que diz respeito á mobilidade... acho que devias divulgar esse texto em outros sitios da net...e enviá lo ao centro nacional de mobilidade, a ver se eles ganham vergonha na cara... força ai

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É uma situação indescritível que muitas vezes nos passa ao lado por não estarmos desse lado... por vezes são coisas simples que nem sequer são mais dispendiosas, mas teimam em não as fazer... Temos todos de lutar por um melhor urbanismo, melhor arquitectura...

Não é incrível tudo o que pode caber dentro de um lápis?...

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Nuno:
Como sabes eu compreendo bem as tuas dificuldades, e até sei que este dia que aqui descreveste é apenas um dos dias, por ventura até um dos menos complicados, especialmente se formos falar sobre o que é andar nas cidades portuguesas.

Apesar de perceber perfeitamente a tua angústia e de concordar que há imensas coisas (normalmente pequenas coisas) que podem ser melhoradas e que fazem toda a diferença (repare-se no caso dos 5 cms), há ali para mim um ponto essencial de ataque a toda esta questão que discordo completamente contigo.

(como todos nós sabemos e já percebemos... uma pessoa de mobilidade reduzida tem tudo a ver com uma grávida... sem dúvida)


A não ser que eu esteja a ver ironia onde ela não existe, mas hás de me explicar como é que uma gravida não se insere no grupo de pessoas com mobilidade reduzida, ou pessoas que estejam com crianças de colo, ou idosos, etc.

Claro que no caso específico dos estacionamentos acho que deverá existir essa discriminação entre pessoas com deficiência (ou portadores de deficiência como ja ouvi dizer que é a denominação politicamente correcta) e grávidas, idosos e crianças de colo, contudo quando se quer abordar a questão das acessibilidades numa "macro-escala" é necessário pensar que as melhorias efectuadas atingem um grupo enorme de pessoas com mobilidade reduzida ou condicionada (onde mais cedo ou mais tarde conseguimos incluir toda a população) e não apenas um grupo menor de pessoas com deficiência.
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não há ironia... penso exactamente o que está ai escrito! LOL desculpa se houve mal entendido... só que há requisitos minimos de civismo não é? eu tenho o meu carro identificado com o sinal e quando vou a algum lado sem o meu irmão, o sem ser para o ir buscar. Faço questão de não estacionar no local dos portadores de deficiência , e podia fazê-lo! Trata-se de educação neste caso... uma grávida com 1 mes de gravidez, não tem a mobilidade reduzida como tem uma gravida de 6 ou 7 meses...

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Trata-se de educação neste caso... uma grávida com 1 mes de gravidez, não tem a mobilidade reduzida como tem uma gravida de 6 ou 7 meses...


Exactamente x)
o mesmo se sucede nas filas do Pingo Doce, quando aparece uma mulher ou mais sem barriga nenhuma e a mulher da caixa manda-a logo para a frente porque
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Obrigado, por partilhares essa história conosco. Realmente, algumas cidades de portugal ( digo algumas, porque não conheço todas), bem precisavam de pôr os olhos em cidades de outros países. No ano passado, visitei a Suíça e fiquei fascinado com a organização deles, e na preocupação de preparar as cidades para o bem estar dos cidadãos. Os tansportes públicos, para além de serem pontuais, tinham boas condições para as pessoas com mobilidade condicionada, os edifícíos, a mesma coisa. para não falar da rede de ciclovia que a cidade tinha. A cidade em questão, é a cidade de luzern. Enquanto aqui em portugal se trava uma batalha para estas questões, foi interessante, e dá motivação, ver que em outros países, as coisas resultam, e resultam bem... A próxima cidade a ser investigada, em principio, será a cidade de Amesterdão...

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Olá Nuno, De facto são histórias como esta que deviam alertar os profissionais quanto a questões tão ESSENCIAIS como estas! Não percebo de arquitectura como gostava de perceber, mas porque é que é tão dificil fazer edifícios eficazes para deficientes? Não percebo.. SErá devido aos custos? Não me parece que seja algo que exiga muito esforço financeiro.. ás vezes podia cortar-se um pouco o orçamento, por exemplo, nos materiais de construção, e investir em algo mais essencial como rampas apropriadas, locais de estacionamento específicos para pessoas deficientes!

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pois.. mas nunca vi um protuguês sair de um elevador para deixar entrar um portador de deficiencia.. mas ja vi um grupo de holandeses fazer isso!

mas a holanda é um pais mau porque a droga e a prostituiçao sao legalizadas... isto é a mentalidade tuga!



Isso já faz parte do civismo das pessoas... algo que não existe cá!
Felizmente há cá pessoas assim... mas é realmente uma minoria...


OFFTOPIC: A Holanda não é um país mau... mas de mentirosos... que dizem não fazerem pirataria informática, e são dos maiores país de onde a pirataria vem...

Josué Jacinto - Mais Fácil
My web: maisfacil.com | soimprimir.com | guialojasonline.maisfacil.com

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nao vamos dramatizar tanto...todos dias viajo de comboio, ou viajava, e sempre vi pessoas, a cederem lugares, de mobilidade reduzida ou nao, a outras que necessitam...quando digo dramatizar tanto é, nunca vi um portugues a ter um gesto civico para alguem de mobilidade reduzida...e acredito que já viste muitos a nao os terem...mas nao me acredito que nunca os tiveram... agora claro, também já vi burgueses alapados nesses lugares que nao o cederiam... é um questao global de cultura, podemos andar um bocado abaixo, mas também nao é preciso exagerar...sim estamos abaixo da holanda..

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Obrigado por partilhares a tua historia aqui no forum A minha opiniao e q estas questoes tem de passar a ser regulamentadas e serem lei. Nos Estados unidos andou-se anos em que as questoes de acessibilidade a deficientes eram meras sugestoes onde havia grupos que melhor ou pior a tentavam implementar, hoje e lei, nenhum edificio publico passa nas inspeccoes sem q a acessibilidade seja garantida. Para as empresas de construcao, enginheiros e arquitectos e um facto adquirido, nao ha meio de o contornar. O Mies dizia q Deus estava nos detalhes atrevo-me a dizer q o humanismo, ou falta dele tb la esta.

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  • 6 months later...

A questão das acessibilidades não podem ser vistas como o problema dos outros ou de um grupo específico de pessoas. Qualquer um de nós pode temporariamente estar nesta situação, nem é preciso esperar pela velhice, basta uma lesão a jogar futebol para nos comecarmos a aperceber das dificuldades.

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