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“Há que distinguir o que foi corrupção do que não foi”


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Arquitecto alerta para consequências dos actuais procedimentos nas Obras Públicas

“Há que distinguir o que foi corrupção do que não foi”





O caso Ao Man Long gerou um clima de receio nas Obras Públicas que está a ter repercussões ao nível dos investimentos internacionais, alerta Carlos Couto. O arquitecto defende que é preciso um regresso urgente à normalidade e legislar as regras que nunca chegaram a ser passadas para o papel, mas que fazem parte dos hábitos de Macau dos últimos 30 anos.

Isabel Castro

Tem formação e experiência em urbanismo, que foi a razão que o trouxe para Macau. Muito se tem falado das necessidades da RAEM ao nível de planos concretos nessa matéria. Há urbanismo no território?
Concluiu-se uma época em Macau, que está muito relacionada com a transferência de administração, em que havia regras. Houve planeamento urbanístico em Macau, foram feitos muitos estudos que cobriram praticamente a cidade toda, e que são instrumentos que ainda hoje as Obras Públicas usam para as decisões actuais. Tudo isto foi utilizado até 2002 ou 2003. Houve, de facto, na tutela de Ao Man Long, um período em que, a dado momento, passa a haver uma data de decisões que saíram das regras institucionais a que estávamos habituados. Os planos de Macau não estão todos publicados, não são documentos legais - com excepção do plano do NAPE e do da Praia Grande que, curiosamente, são os únicos que foram recentemente revogados pelo Governo, porque este aprovou projectos em contradição com estes planos, o que não deveria ter feito sem os revogar previamente. Todos os outros planos existem em termos de estudos, são usados pelas Obras Públicas para a produção, por exemplo, das plantas de alinhamento e das regras que recebemos, e que temos que observar. Correspondem a esses estudos urbanísticos, mas não são instrumentos legais como os que existem na Europa, em que há planos director e têm que ser cumpridos. Aqui, os planos sempre existiram mas serviram sempre como pano de fundo para as decisões da Administração, e isto aplica-se também à portuguesa. Estou cá há quase trinta anos, nunca foi diferente. A Administração nunca quis publicar um plano porque se o fizesse estaria a cercear a possibilidade de o alterar ou de tomar uma decisão contrária ao que ficaria estabelecido. Sempre houve um grande receio, por parte dos dirigentes – nos meus quase trinta anos de Macau - de aprovar algo que pudesse atar-lhe as mãos, por passar a ser lei.

Mas fala-se agora de um plano director...
Não sei do que se fala, porque as pessoas falam muito, mas não vejo nada. Não há um estudo, não há um plano. E penso que há, de facto, um grande desconhecimento do que é fazer um plano director. Noutro dia, vi pessoas quase a baterem palmas porque finalmente tínhamos um plano. Eu pergunto: que plano? Não há nada, absolutamente nada.

O arquitecto Rui Leão defendeu recentemente que o plano director deve ir a concurso público e ser elaborado por arquitectos. Entende que os arquitectos de Macau devem ser chamados para este trabalho de definição da cidade?
Não posso ter duas caras. Enquanto estive na Administração, defendi o contrário, na medida em que defendi que eram os arquitectos que o faziam, mas os da Função Pública, ou seja, não os da privada. Porque os interesses que nós temos são diferentes. Trabalho para muitos clientes no sector privado que têm interesses legítimos, são uma parte da sociedade. Mas o interesse do funcionário público é representar toda a sociedade. Se for arquitecto da Função Pública, tenho que ter uma postura diferente perante a maneira de ver e gerir a cidade do que se estiver na privada. Teoricamente, somos todos iguais, mas é mentira. É uma ilusão. Macau é uma cidade muito pequena, não é como em Portugal que posso ser arquitecto em Lisboa e faço um plano para o Porto. Os meus interesses não estão no Porto, estão em Lisboa. Aqui não há isso. Os meus interesses estão em Macau, que é demasiado pequena para eu poder dizer que os arquitectos da privada podem pensar e projectar a cidade.

Mas a associação da classe deve ser chamada a pronunciar-se sobre a questão?
Isso sim, isso é diferente. O que posso aceitar é que, provavelmente, há neste momento na Administração, pouca massa criativa ou pessoas com conhecimento para poderem ter esse papel. Mas isso é sempre resolúvel, desde que a Administração os vá buscar. Se não têm, recrutam, porque há sempre gente que há-de aparecer e querer tomar essas posições. Hoje em dia, olho para o quadro dos funcionários das Obras Públicas e há pouca gente que percebe de urbanismo. Houve épocas nas Obras Públicas em que tal não era verdade, as pessoas foram recrutadas com determinadas qualificações e sabiam de urbanismo. Hoje há poucas e daí pensar-se que, não havendo dentro da Função Pública, devemos recorrer à privada. Isso é de alto risco. Compete à Função Pública e aos seus arquitectos ter esse papel de estudo e de definição das orientações genéricas a que esta cidade tem que obedecer, ouvindo todas as partes.

E ainda vamos a tempo de fazer um plano para Macau que permita algum equilíbrio?
Acho que sim, porque esta cidade teve equilíbrios, havia regras que ninguém pisava. Penso que se desequilibrou recentemente, mas é um episódio de Macau, não corresponde à vida de Macau. Tivemos um governante que desregulou um pouco o sector, estamos mais do que a tempo de se voltar ao que era. É preciso também agora não se cair no exagero ao contrário, e está-se a cair. Diria que não há um prédio em Macau que esteja construído legalmente. Um, um só! E é preciso que se tenha atenção a isto. O regulamento é de 1963, está profundamente desactualizado. Pelo menos nos últimos 27 anos, este regulamento foi ‘revogado’ por instrumentos avulsos feitos pelas Obras Públicas através de circulares que são dadas aos técnicos, e de plantas de alinhamento, que não são instrumentos que possam revogar um diploma legislativo. Ou seja, para se fazer uma alteração num decreto-lei, só pode ser através de lei. Isto nunca aconteceu. Não veio mal ao mundo porque as Obras Públicas, através de circulares, foram alterando os regulamentos – que é uma forma ilegal, se quisermos – e pondo em prática um novo regulamento de construção urbana que nós, arquitectos, seguimos no sector privado e que não contestávamos. Tecnicamente eram mais correctos e eram usados e administrados de modo igual para todos. Não sentíamos que havia privilegiados. Isso sentimos, se calhar, quando olhamos para um prédio no NAPE e olhamos logo a seguir para o Arco do Triunfo, que vai ter 250 metros. Olhamos para lá e pensamos: como é que aquele conseguiu isto que eu nunca consegui? São talvez factos históricos que existiram devido a uma gestão menos correcta de um secretário, mas que temos que admitir como tal. Não posso agora pedir para fazer igual, se não nunca mais paramos com isto.

Deve então haver alterações a nível legislativo para definir, de uma vez por todas, as regras e procedimentos? É preciso fazer uma revisão a fundo da forma como se faz a construção urbana em Macau?
É preciso rever a fundo, mas também é preciso ver que nem tudo o que foi feito ou que é alto é resultado de pecados de Ao Man Long ou a que tudo isto há dinheiro associado. Um exemplo simples é o da regra da área de sombra, que é o artigo 88º do Regulamento de Construção Urbana. Esta regra foi publicada nos anos 80 e copia o regulamento de Hong Kong que, posteriormente, a abandonou, passando a trabalhar unicamente com índices de utilização do solo e deixando construir em altura. Em Macau, existe ainda a regra da área de sombra - é uma linha a 76º, um plano traçado ao eixo da rua, e o prédio tem que ir encostando à linha, ficando escadeado, à medida que vai crescendo em altura. Os prédios ficam horríveis e é por essa razão que Hong Kong largou a regra, que nós continuamos a ter publicada. Posso dizer, que nos últimos cinco ou seis anos, as Obras Públicas passaram a aceitar a apresentação de um projecto com duas versões. Numa delas, demonstrávamos como se podia cumprir a regra de sombra, com um edifício que não é bonito do ponto de vista arquitectónico. Passaram a permitir que pegássemos nessa mesma área de construção e fizéssemos o mesmo prédio de uma forma mais elegante, sem ser escadeado, isentando a área de sombra. Isto passou a ser regra nas Obras Públicas, nos últimos anos. É evidente que, se calhar, em alguns casos, essa isenção esteve ligada a casos de corrupção, mas em muitos casos não esteve. As Obras Públicas emitem as plantas de alinhamento, isentam o cumprimento da área de sombra e actua-se como tal. Há que perceber isto muito bem, era bom fazer-se um exercício de revisão legislativa, que é importantíssimo, mas também é bom que se dê tempo e que não se pare, porque não se pode parar Macau. Era bom que se continuasse a usar as regras que existem, porque não eram más - do ponto de vista legal não estão correctamente instituídas mas estão a funcionar há mais de trinta anos - não permitirmos pecados e, entretanto, arranjar instrumentos legislativos que façam essas correcções ao regulamento. Por isso é que digo que não há prédio algum que esteja legal em Macau.

Houve uma acalmia, para não dizer mesmo paragem, na construção em Macau, na sequência do caso Ao Man Long. Tem sentido isso?
Há uma grande paragem porque há um grande receio. Toda a gente questiona tudo. Os próprios funcionários das Obras Públicas, principalmente aqueles que são mais novos, devem estar em pânico, porque perceberam que todo o modo como estavam a funcionar talvez não seja verdade... E nós cá fora também pensamos... As circulares são mandadas pelas Obras Públicas, agora tenho que projectar desta maneira. Quem sou eu, na arquitectura privada, para dizer às Obras Públicas que não é através de uma circular que se altera um decreto-lei? Eu acato e faço. O funcionário das Obras Públicas sempre o fez. Talvez então este não seja o modo correcto, mas há que o alterar sem parar, porque é gravíssimo que se pare. Há imensos projectos que envolveram empresas estrangeiras em Macau - viram a cidade como um grande potencial de investimento -, que compraram terrenos, investiram aqui e que, neste momento, saíram e anunciaram-no publicamente. Macau está na boca do mundo como um local que não é seguro. Tem-se uma aprovação e ela pode não existir. Tenho um caso nos Lagos Nam Van de um projecto que está aprovado, com licença de obra emitida, e que tem uma cláusula que diz que a obra só pode ser iniciada quando o Governo publicitar o plano. Está para publicitar há um ano. A obra está parada, tem prejuízos enormes, a empresa estrangeira já desinvestiu e foi embora. Isto é gravíssimo para Macau.

O que deve ser então feito de imediato para inverter essa situação?
Não se pode parar. Há que distinguir o que foi corrupção do que não foi. E não pensar que tudo está mal feito por causa da corrupção. Concordo plenamente com que se investigue e se punam os casos que estão ligados a corrupção, mas aquilo que não estava não pode parar e não podem todos pagar pela mesma bitola. Neste momento, estão todos a sofrer com isso. Há uma grande paragem, não há aprovações de projectos, sejam eles grandes ou pequenos. Um projecto de um prédio de dois andares ou de um prédio de quarenta demora o mesmo tempo nas Obras Públicas a ser aprovado. Nada anda. Os procedimentos são todos profundamente lentos. Isto é impossível, assim não dá.

Um projecto que anda a ser discutido há já vários anos, e que conheceu desenvolvimentos recentemente, diz respeito ao sistema de metro ligeiro. E a solução encontrada não lhe agrada particularmente...
O metro agrada-me, Macau precisa de se revolucionar ao nível dos transportes públicos. É uma miséria. É um escândalo não termos táxis numa cidade que tem, anualmente, mais turistas do que os Estados Unidos. É inacreditável a discussão em torno da atribuição de mais licenças de táxis, estamos a proteger qualquer coisa, certamente. O mesmo se aplica aos transportes urbanos de autocarros. Temos duas concessionárias, digladiam-se com as mesmas rotas, não há no Governo poder para ordenar, gerir e dizer quem deve fazer o quê e, provavelmente, abrir os transportes públicos a outras concessionárias. Os transportes públicos estão notoriamente em ruína. Mesmo que se resolvesse esta situação dos autocarros e dos táxis, era bom termos um sistema de transportes urbanos eficiente. O que questiono é o seguinte: recentemente, a Associação dos Arquitectos, por exemplo, veio discutir muito em alternativa ao LRT (sistema de metro ligeiro), a utilização do mono-rail. Diria que é um mal menor. O LRT não é mais do que o que há em Banguecoque. O Sky Train é uma auto-estrada em cima da cabeça de todos, são sete metros de largura de betão em cima de nós. Fazer-se isto em Macau, cidade histórica classificada pela UNESCO, com 500 anos de história, é o maior assassinato urbanístico que se vai fazer em toda a vida da cidade. Vamo-nos arrepender de termos feito este projecto. Porque não fazê-lo enterrado? Podem dizer que é caro, mas temos problemas de dinheiro? Onde é que está o território do mundo que tenha, neste momento, a possibilidade financeira que nós temos? Tecnicamente, pergunto: há cidade no mundo que não tenha tido problemas técnicos? Em Lisboa, na baixa pombalina, não se fez o metro, com imensos problemas técnicos? Para os problemas técnicos estão cá os técnicos, é para isso que eles servem. Existe dinheiro. Não podemos sacrificar o nosso património, a nossa história e o espaço urbano que temos. E isso vamos hipotecar para sempre. Devia-se fazer uma paragem rápida neste processo, repensá-lo todo de raiz e fazer o metro subterrâneo.

E a questão dos aterros?
É tudo conversa. Não há soluções impossíveis. Podem ser mais caras e morosas. Mas quanto tempo já perdemos nós a discutir isto? E agora estamos a tentar agarrar uma carroça mais depressa? Se calhar ainda não a vamos agarrar. Estamos a discutir tempo, e o tempo vai passando. Estamos a discutir dinheiro, e temos imenso dinheiro. Mas há algo que temos e que ninguém discute: temos um património importantíssimo, e vamos destrui-lo com uma barbaridade que se vai fazer.

Têm sido levantadas várias questões em torno do património de Macau. Está a ser suficientemente acarinhado?
Está, de fachada. Vi um excelente documentário, num festival aqui em Macau, e uma das pessoas que participava como entrevistado era o professor Jorge Cavalheiro. O documentário era sobre o Largo do Lilau. É uma pena, é uma fachada, só temos fachadas, por trás nada existe. E continuamos a trabalhar o património como fachadas. Macau merece muito mais. Tem que se olhar para o património de uma outra forma. Há uma falta de visão muito grande na preservação do património. Já houve melhor, hoje em dia estamos pior. Temos edifícios classificados, monumentos classificados e temos zonas de protecção. A estas zonas aplicam-se as mesmas regras que se aplicam a um edifício classificado. Quem tiver um edifício numa zona de protecção, tem que preservar a fachada, não pode tocar no edifício. Isto é errado. Façam-se os estudos que se quiserem noutras cidades com um passado histórico tão grande como o nosso, basta olhar para a Europa, e não se faz isto, a obra nova deixa-se construir junto ao antigo - é preciso é que tenha qualidade. É um erro histórico não deixar produzir arquitectura moderna numa cidade, lado a lado com a antiga. É preciso que tenha qualidade, essa é que é a grande questão. A história é um livro, têm que se escrever páginas novas, não se pode parar. Se eu não escrever nada da minha época, daqui a cem anos a minha época não existe. Nós temos que fazer história também. Recuso-me a aceitar o fazer património. Metade o Largo do Senado é património feito. Eu fiz o Fishermen’s Wharf, mas isso é outra coisa, é um parque temático. Até se pode questionar se está bem localizado, mas isso é outra questão. Acho bem que se façam parques temáticos, não tenho nada contra. Posso questionar se aquele é o melhor sítio, como cidadão, mas eu não escolho o sítio como arquitecto, faço onde me dão. Posso é dizer que os arquitectos do sector público é que têm o dever de dizer se o sítio é bom ou não. Acho é que não se pode fazer património agora e anda-se a fazer casinhas a fingir que são antigas. Nas zonas do património, o que se quer é que a gente faça um prego a imitar o antigo.

Mas há muitas casinhas antigas a cair. A zona do Bazar é um exemplo. Não deveria ser recuperado?
Concordo. E deviam ser dados incentivos financeiros às pessoas para se poder recuperar, até através de trocas. Se as pessoas não querem desenvolver, o Governo deveria ficar com esses edifícios e dar um terreno noutro sítio. Essa é a maneira correcta de preservar. Ainda temos muito património para recuperar e não precisamos de fazer a fingir que é antigo. Isso é um erro, é um pastiche.

Existe um edifício com grande interesse patrimonial, por ser dos poucos exemplos da época em que foi construído, que está prestes a ser reconvertido, o antigo Tribunal Judicial de Base. Sabe-se que o processo para o concurso não tem sido pacífico...
O edifício tem que ficar e o programa do concurso prevê que tal aconteça. Pede-se para preservar a fachada do edifício, a entrada e a escadaria. Acho isso bem, ainda por cima porque se adequa ao espírito de uma biblioteca. Pode transformar-se aquele edifício numa biblioteca muito facilmente: tem a dignidade e a imponência que imaginamos num espaço desses. O concurso é interessante, porque é um concurso de ideias. Pessoalmente, não vou concorrer, por duas razões que têm a ver com questões de deontologia. Primeiro, não concordo que haja um concurso de ideias e eu não conheça o júri. É contra todas as regras num concurso de arquitectura o desconhecimento nominal do júri. Em segundo lugar, há uma questão importantíssima, e essa talvez seja a mais grave: se concorresse, poderia ganhar e não ficar com o projecto. Seria obrigado a assinar uma declaração em como concordava em dar os meus direitos de autor, e o Governo poderia dar o projecto a outra equipa para desenvolver o projecto. A argumentação que me foi dada pelo telefone, quando perguntei as razões, foi que os arquitectos poderiam não ter capacidade para desenvolver o projecto. Podíamos ter uma ideia muito bonita mas não termos capacidade para a desenvolver. A isso eu respondo: o concurso é por convites, logo convida-se quem se acha que tem capacidade. Não posso aceitar concorrer, ganhar, pegarem na minha ideia e depois vão dar a outro para a fazer. Isto é completamente errado e contra toda a deontologia. E mais: fico chocado quando a minha associação, a Associação dos Arquitectos, não vem tomar uma posição pública sobre esta matéria - pelo menos conhecida dos associados - quando sei que dirigentes da minha associação até estão a concorrer. Também discordam, mas estão a concorrer porque acham que a gente não deve ser sempre do contra. Isto não é ser do contra, é falarmos com as pessoas, de uma forma educada - para isso é que servem as instituições e as associações - e por isso é que não falei individualmente, esperava que a minha associação o fizesse. Enquanto entidade idónea que representa os arquitectos, esperei que fizesse o contacto com a entidade promotora do concurso e lhe chamasse a atenção do erro que está a ser feito, para que pudesse ser corrigido.

Mas não é o único concurso deste género que tem gerado dúvidas. Falo do concurso do pavilhão de Macau para a Expo Xangai 2010.
É um concurso interessantíssimo e, no meu ateliê, há vários grupos a trabalhar em propostas. Se vamos concorrer ou não, ainda não sabemos. Neste caso, sabemos quem é o júri, soberano em classificar. O cliente, o Governo de Macau, pode, no entanto, não escolher a obra premiada para desenvolver o projecto, pode escolher qualquer uma das premiadas. Mas continuamos sem perceber - o regulamento é pouco claro nessa matéria - se o desenvolvimento do projecto vai ser feito por quem ganhou. E aí está outra vez o mesmo problema. Continuo a mandar e-mails sucessivos à entidade organizadora e não recebo respostas directas. A última resposta que recebi foi que o processo será desenvolvido por Xangai. E eu pergunto: quem é Xangai? Não sei quem é.

Faz sentido em 2008, tendo em conta o número de guindastes em Macau, que não haja uma escola de Arquitectura?
Não, não faz nenhum.

Como é que se justifica que não haja, mais a mais tendo em conta que, na apresentação das Linhas de Acção Governativa, o Chefe do Executivo manifesta vontade política para o desenvolvimento da educação nesta área e na expressão artística em geral?
É um papel que cabe às universidades. Há, neste momento, gente em Macau que poderia leccionar, há muita gente com cabelos brancos e sem cabelos, há gente nova e criativa. O corpo docente não era difícil de garantir, seja importando algum, seja pegando nas pessoas que existem aqui também. A verdade é que há muitos jovens a irem estudar para fora. Digo isto por experiência: recebo estagiários de Macau e dou emprego a arquitectos de Macau que foram estudar para fora. Não percebo porque é que, ao nível das universidades, não existe esta área .

Não tem muito por hábito, enquanto arquitecto, manifestar-se sobre questões públicas de Macau...
Não, não tenho. Vim para Macau em 1981 para trabalhar na Administração, onde estive oito anos. Fui convidado para fazer o Departamento de Urbanismo, que não existia. Fui o primeiro funcionário do meu departamento e larguei-o com 127 funcionários. Todos os planos de urbanização conhecidos que existem em Macau foram feitos nessa época, todos os instrumentos urbanísticos que ainda hoje servem de suporte às decisões do Governo. Saí em 1989 e iniciei a minha vida privada, pelo que me tenho abstido de falar sobre estas questões. Represento hoje em dia outro sector. Quando estava na Função Pública, o meu dever era defender os interesses públicos. Hoje, o meu dever é defender o interesse do investidor privado. Reconheço que, em muitas situações, são antagónicos. Às vezes, como arquitecto, também tenho na alma o desejo de que as decisões fossem de determinada forma que nem sempre é aquela que apresento, como representante dos interesses do interlocutor privado. Chego a pensar que gostaria que as Obras Públicas me chumbassem o projecto, porque eu próprio acho que, do ponto de vista urbano ou da arquitectura, não é a situação ideal para cidade. Vivemos esta dualidade e às vezes sofremos com isto. Vim para Macau fazer urbanismo, passei para a arquitectura - não há espaço para urbanismo na privada -, com alguma mágoa e sofrimento. Agora faço arquitectura e gosto, mas sempre gostei muito mais de urbanismo.


www.hojemacau.com

margarida duarte

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